Mulheres relatam estupro após serem dopadas por droga sem cheiro e sem cor. Nos últimos dois anos, vem tendo um aumento de casos de estupro de vulnerável
Maria*, de 22 anos, tomou cerveja de um copo oferecido por um conhecido durante uma festa no Rio de Janeiro. Depois, conta, não se lembra de mais nada, só de acordar no outro dia em casa. Sentiu incômodos na vagina e teve um sangramento, mas só se deu conta de que foi vítima de estupro após receber um vídeo em que aparecia sendo violentada por um homem. O caso ocorreu em 2019, e ela pede para não ser identificada porque quer esquecer o que ocorreu e "normalizar" a vida.
Em uma reunião de amigos em Brasília, Joana*, de 25 anos, bebeu um drinque oferecido por uma das pessoas que estavam na festa. Foi encontrada por uma amiga, no dia seguinte, no banheiro da casa, sem saber o que havia acontecido. Ela só se deu conta de que havia sido abusada sexualmente após encontrar uma camisinha em sua vagina, como contou para sua advogada na época. Decidiu não denunciar porque não tinha nenhuma lembrança.
Essas são duas histórias estarrecedoras de um tipo de crime que aparenta ser uma lenda urbana, no estilo "Boa noite, Cinderela", mas que acontece com frequência, segundo advogadas e médicas ouvidas por Universa. Embora haja uma tipificação penal para o crime - considerado estupro de vulnerável, já que a mulher não pode oferecer resistência -, não há dados que especifiquem quantos desses casos ocorrem por ano, pois se misturam na mesma categoria as ocorrências contra menores de 14 anos, pessoas bêbadas ou com deficiência.
Segundo a advogada Gabriela Souza, do escritório Advocacia para Mulheres, de Porto Alegre, o impacto na vida das vítimas é devastador, pois o sentimento de culpa fica ainda mais exacerbado do que no caso de serem violentadas com consciência. "Elas se sentem culpadas por terem confiado na pessoa que ofereceu a bebida. Têm ideação suicida. Relatam que estavam em festas e que a última coisa de que se recordam, muitas vezes, é conversar com o agressor, mas sofrem uma espécie de apagão", diz.
"Casos aumentaram nos últimos dois anos", diz médica que atende vítimas de violência sexual
À frente do Nuavidas (Núcleo de Atenção Integral a Vítimas de Agressão Sexual), da UFU (Universidade Federal de Uberlândia), a ginecologista e obstetra Helena Paro trabalha no atendimento de mulheres que foram violentadas sexualmente e afirma que, nos últimos dois anos, vem notando um aumento de casos de estupro de vulnerável nessas circunstâncias.
Paro, responsável pelo atendimento de vítimas que desejam interromper a gravidez após uma violência sexual, diz que algumas não se lembram de nada e, de repente, se veem grávidas sem ter tido qualquer relação sexual consentida.
"O caso que mais me marcou foi de uma menina de 13 anos atendida durante a pandemia. Ela achava que era virgem e ficou desesperada ao descobrir a gravidez. Contou para a mãe e teve o atendimento por telemedicina", conta a médica.
"Drogas do estupro são inodoras, incolores e podem não ser identificadas em exames", diz especialista
Segundo a médica Rita de Cassia Bomfim Leitão Higa, legista aposentada do IML (Instituto Médico Legal) e professora de Toxicologia e Medicina Legal da Unoeste (Universidade do Oeste Paulista), as chamadas "drogas do estupro" são inodoras e incolores, o que torna impossível para a vítima perceber que a bebida foi adulterada. Por Camila Brandalise, De Universa